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«É a partir do outro que toda a escrita do mundo, verdadeiramente, se constitui em acontecimento»
Achille Mbembe na sua obra «Sortir de la grande nuit»
Juan Valbuena empreendeu há mais de vinte anos a viagem da fotografia. A sua participação ativa no coletivo NOPHOTO ajudou a moldar a sua forma de perceber a prática fotográfica como ação participativa, aberta e partilhada. É também de salientar o seu amor pelos livros e a sua vocação de editor através da sua editora PHREE de onde, em cada projeto, nos leva pela mão para nos contar uma história diferente num formato diverso.
E é que Juan está fascinado pelos contos. Conduz-nos através da sua obra para histórias que tentam trazer à luz vivências invisibilizadas ou silenciadas. É por isso que todos os seus projetos exigem tempo, muitos anos de desenvolvimento e necessitam também de um esforço por parte de quem os vê: exigem o nosso compromisso de não sermos simples espetadores, mas intérpretes de um presente ou de um passado.
Esta viagem contínua de ida e volta entre narrador e leitor-espetador é o que propomos nesta exposição composta por dois trabalhos que se iniciam praticamente em simultâneo e que foram concebidos, em ambos os casos, em formato livro. Trata-se, por um lado, de Ojos que no ven, corazón que no siente (2008-2018), um dos projetos mais ambiciosos de Valbuena, que nasce a partir da recordação de um dos seus colegas de colégio que era da Guiné Equatorial — país que continua a ser o grande desconhecido na história de Espanha — e, pelo outro, de Salitre (2009-2014), que surge quando o autor conhece doze senegaleses sem papéis que vivem num apartamento sobrelotado na rua do Salitre, no bairro de Lavapiés de Madrid.
Ojos que no ven, corazón que no siente tenta resgatar as imagens perdidas da relação entre Espanha e Guiné Equatorial, a única colónia espanhola na África subsariana. Uma narrativa cronológica que abarca dois séculos e meio de história reconstituída através de um rede de arquivos oficiais e pessoais, de testemunhos, de vivências e de objetos encontrados, para além de traçar um percurso através da fotografia durante esse período. Um relato cruzado que Valbuena transforma em atualidade política e social com a sua publicação em cinco jornais. Uma maneira, em suma, de se aproximar do outro para tentar compreender-nos e esboçar os elementos que compõem a história e a sociedade espanhola, para que todos nos impliquemos no exercício de nos reconhecer e nos ver.
Em Salitre, para vir a saber quem são essas pessoas que convivem num espaço tão acanhado, Valbuena estabelece uma nova estratégia que impede que os habitantes da casa apareçam filtrados por uma mera crónica documental: oferece a cada um deles um livro em branco — outro espaço — para que cada um conte a sua vida, a sua história. Ao estabelecer esta colaboração, o autor convida à leitura de histórias subjetivas nas quais as hierarquias foram desativadas e onde todos ocupam o mesmo lugar. Deste modo, não irrompemos na vida de doze senegaleses anónimos, mas descobrimos as histórias humanas de doze pessoas com rosto.
Quer seja como jornalista investigador, como editor ou como catalisador onde o eu-fotógrafo desaparece, Valbuena dá voz aos que não a têm e permite-nos, nestes contos de ida e volta, conhecer o nosso passado e os seus passados para podermos construir um presente melhor. Para tanto, em nenhum momento visitamos lugares exóticos ou mergulhamos nas aventuras de uma ilha muito remota, mas cada um destes relatos estabelece uma ligação direta e próxima com Espanha e com os nossos vizinhos, com os nossos outros, tanto interiores como exteriores. Essoutros que acabam por ser nós.
A exposição estará patente de 4 de março a 27 de maio de 2022 na Casa África, de segunda a sexta-feira, em horário de 8h a 18h:30. Entrada livre e gratuita.
A inauguração terá lugar a 4 de março pelas 20h. Uma hora antes decorrerá um encontro com o autor. Entrada livre e gratuita até completar lotação.